Facebook Twitter Google Plus

ARTIGOS

12-03-2013

Como liderar a mudança nos centros educativos

O fundador da Escola da Ponte, em Portugal, José Pacheco, participa do fórum de discussão Como liderar a mudança nos centros educativos. Qual a liderança? Qual a mudança? do Encontro Internacional de Educação, iniciativa da Fundação Telefônica Vivo em parceria executiva do Instituto Paramitas. Abaixo, você pode ler o texto escrito pelo educador na íntegra, que abre o fórum de discussão.

Como liderar a mudança nos centros educativos

Qual a liderança? Qual a mudança?

A concepção e desenvolvimento de um projeto educativo é um ato coletivo, tem sentido no quadro de um projeto local de desenvolvimento, consubstanciado numa lógica comunitária e pressupõe ainda uma profunda transformação cultural. Será conveniente que as escolas compreendam que o currículo é a comunidade e que a gestão educacional deve ser comunitária.

Não passa de um grave equívoco a ideia de que se poderá construir uma sociedade de indivíduos personalizados, participantes e democráticos enquanto a escolaridade for concebida como um mero adestramento cognitivo.

O modelo epistemológico, matriz das práticas ainda hoje predominantes nas nossas escolas, já nem é tributário das necessidades sociais do século XIX.

Urge definir objetivos que orientem novas práticas: concretizar uma efetiva diversificação das aprendizagens, tendo por referência uma política de direitos humanos que garanta as mesmas oportunidades educacionais e de realização pessoal para todos; promover a autonomia e a solidariedade; operar transformações nas estruturas de comunicação; intensificar a aprendizagem colaborativa em rede.

Há mais de trinta anos, talvez inspirado no provérbio africano, que nos diz ser necessária uma tribo para educar uma criança, Lauro de Oliveira Lima escreveu a expressão ?escola de comunidade? e procura significar o desenquistamento isolacionista da escola tradicional. Escola, no futuro, será um centro comunitário. A escola não se reduzirá a um lugar fixo murado.

Será indispensável alterar a organização das escolas, interrogar práticas educativas dominantes. Escolas são pessoas e espaços de aprendizagem. A escola é espaço-tempo de relações sociais. E a inclusão escolar é também social. É urgente interferir humanamente no íntimo das comunidades humanas, questionar convicções e, fraternalmente, incomodar os acomodados. Apesar dos progressos verificados ao nível da teoria (e até mesmo contra eles), subsiste uma realidade que as exceções não conseguem escamotear: no domínio das práticas, o nosso século corre o risco de se completar sem ter conseguido concretizar sequer as propostas do fim do século que o precedeu.

Se o modo como o professor aprende é o modo como o professor ensina, porque se continua a formar professores segundo velhos modelos? É um erro pensar que a teoria precede a prática, é um grave equívoco pensar que se pode agir na prática desprezando a teoria. A necessária reelaboração cultural requer alteração de padrões atitudinais e comportamentais, que são complexos e de modificação lenta e gradual.

Uma escola, que pretenda ser uma construção social em que convergem processos de mudança desejada e refletida, um lugar onde conscientemente se transgride, para libertar a escola de atavismos, para repensar, terá de ter, inevitavelmente uma liderança de coletiva. Só podemos falar de projeto quando todos os envolvidos são efetivamente participantes, se conhecem entre si e se reconhecerem em objetivos comuns.Como enfatizam alguns psicólogos de há um século, o desenvolvimento humano ocorre em meio a uma rede de relações sociais, marcadas por um contexto sociocultural específico, é sempre um ato de relação. O aprendente aprende quando tem um projeto de vida. De vida COM os outros.

A autonomia se define na contraditória complementaridade com a dependência, no quadro de uma relação social aberta. A autonomia se exerce COM o outro. Encerrados no refúgio da sua sala, a sós com os seus alunos, o seu método, os seus manuais, a sua falsa competência multidisciplinar, em horários diferentes dos de outros professores, como podem os professores partilhar, comunicar, desenvolver um projeto comum?

Cada pessoa é um ser único e irrepetível. Procuremos no mais ínfimo pormenor da relação educativa, formar o cidadão democrático e participativo, o cidadão sensível e solidário, o cidadão fraterno e tolerante. Passemos de objetivos de instrução a objetivos mais amplos de educação,

No exercício de uma liberdade responsável e de uma solidariedade ativa, precisamos, também, rever o papel das novas tecnologias. Elas deverão estar ao serviço da pessoa e de um desenvolvimento humano sustentável.

A integração das novas tecnologias apenas tem contribuído para reforçar um modelo de ensino obsoleto: quadros interativos não são mais do que quadros negros do século XXI. Mas as propostas pedagógicas elaboradas no decurso do século XX (e jamais vertidas em práticas efetivas), aliadas a contributos das neurociências e à emergência da Web 2.0, prefiguram mais do que uma revolução tecnológica: uma revolução social e cultural. Do consumo de conteúdos, talvez passemos à fruição e produção crítica de informação, gerando embriões de uma democracia digital solidária.

A educação integral é um tema recorrente na história das ideias pedagógicas desde a antiguidade. Aristóteles já falava em educação integral. Claparède e Freinet preconizavam uma educação integral ao longo de toda a vida.

A educação integral em tempo integral terá de contribuir para o desenvolvimento local, no exercício de uma pedagogia do lugar. Porém, na perspectiva reducionista, como vem sendo interpretado e desenvolvido, o projeto de escola de tempo integral apenas visa ocupar tempos livres ou assegurar atividades em contra-turno, e poderá significar o reforço e legitimação da desculpabilização curricular.

Sugiro que dialoguemos sobre práticas efetivas de escola integral, numa escola integrada, em tempo integral e também sobre as estratégias de comunicação que permeiam este processo. Estamos nos comunicando efetivamente?

Desde há séculos, somos destinatários de mensagens que raramente nos dispomos a decifrar e o que acontece é um regresso cíclico às mesmas grandes interrogações. Todos os movimentos reformadores se assemelham na rejeição do passado, mas a especulação teórica sem caução da prática engendra apenas reformulações de uma utopia sempre por concretizar.

Convido a pensar. E a agir.

José Pacheco é professor; mestre em Educação da Criança pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto; tornou-se uma referência em Educação por ter estado à frente da transformação da Escola da Ponte, em Portugal, uma das primeiras no mundo a serem consideradas efetivamente autônomas.  
O educador português vive atualmente no Brasil, acompanhando vários projetos e escolas pelo país, nos últimos anos, está implementando uma proposta de educação comunitária do Projeto Âncora, no município de Cotia, em São Paulo.

O que é o Encontro Internacional de Educação?