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ARTIGOS

11-09-2015

Aprenderes

Maria F. de Mello 

Em 1998, foi publicado o Relatório Delors, elaborado pela Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI da UNESC0. Nele foram apresentados quatro pilares: Aprender a Conhecer, Aprender a Fazer, Aprender a Viver em Conjunto, Aprender a Ser como importantes norteadores das ações educativas. Em 2000, na Conferência Internacional denominada Transdisciplinarity: Joint Problem-Solving among Science, Technology and Society realizada em Zurique, Suiça, foi redigida a Declaração de Zurique na qual eram propostos mais dois aprenderes : Aprender a Antecipar e Aprender a Participar.

Ao compreender a dimensão multidimensional/multirreferencial implícitas nesses aprenderes e explorá-la no processo formativo de um grupo de pessoas que se propunha a desenvolver projetos permeados pela transdisciplinaridade, quis abordar alguns aspectos que considerei de relevância para aquele contexto.

Foi quando notamos que os seis pilares se inscreviam em um processo de formação continuada e, por isso, ao nomeá-los, passamos a usar o gerúndio Aprendendo a, ao invés de Aprender a, com a intenção de nos remetermos à idéia de que não se tratava de mais uma informação que se empilharia ao nosso acervo já constituído, mas que, continuamente, contribuiria para aprofundar nossa reflexão sobre a visão, a atitude e a práxis transdisciplinar.

Registro aqui alguns aspectos focados durante este processo formativo:

Aprendendo a conhecer é aprender maneiras que ampliem os nossos referenciais cognitivos, nossos referenciais existenciais, maneiras que nos ajudem a distinguir o real do ilusório. Aqui, o espírito, o método e a metodologia científica têm uma grande contribuição a dar. Aqui, além da quantidade, precisamos cultivar a qualidade ao nos aproximarmos daquilo que queremos investigar. " ....aprender a conhecer também significa ser capaz de estabelecer pontes - entre os diferentes saberes, entre estes saberes e seus significados para nossa vida cotidiana; entre estes saberes e significados e nossas capacidades interiores." (NICOLESCU, 2000). Conhecer depende muito de mantermos viva a nossa capacidade de perguntar.

Aprendendo a fazer é nos tornarmos criativos. Esse aprender nos fará pessoas felizes se nas nossas atividades buscarmos realizar nossa vocação, se descobrirmos o nosso dom. Mais do que competir, esse aprender diz respeito a nossa realização na ação que, no mundo de hoje, depende de nos tornarmos flexíveis, competentes e dedicados no que fazemos, muito mais do que versados em muitas profissões, que aprendamos a estabelecer limites, a discernir o que conservar e o que descartar e, assim, criar espaço para a emergência do novo. Este aprender é uma fonte contínua de alegria e de serviço.

Aprendendo a viver em conjunto significa respeito: primeiramente, respeito para consigo mesmo, pois também cada pessoa deve aprender a viver consigo mesma, e, se violentarmos essa primeira convivência, será difícil conviver com o outro e com os outros. Sem respeitar aquilo que nutre nosso corpo, nossa mente, nosso sentimento, nosso espírito, será difícil o diálogo com o que nos rodeia, sejam os outros seres humanos ou a natureza e tudo que faz parte dela. Viver em conjunto é como o alimento, o ar e as impressões: sem eles estamos fadados a desaparecer.

Aprendendo a ser é o grande enigma. De onde vim? Para onde vou? Quem sou eu? "Conhece-te a ti mesmo", dizia a inscrição no pórtico do templo de Delfos na Grécia antiga. "Decifra-me ou devoro-te" era o enigma da Esfinge egípcia. Só conhecendo nossas incertezas, nossas crenças, nossos condicionamentos - pessoais, familiares, religiosos, nacionais - nossas aspirações, conseguiremos ir alçando vôo, ir nos reunindo, nos transformando e nos aproximando da liberdade e do Amor. Esse aprender nos aproxima do Bem, do Belo e do Verdadeiro.

Aprendendo a antecipar nos incita a reconhecer a complexidade intrínseca dos problemas, a priorizar, perceber as conseqüências que se desencadearão se o curso dos fatos não for mudado. Aqui, ousamos mudar a situação vigente; tomamos medidas a curto, médio e longo prazo; decidimos, escolhemos apesar das dúvidas; mudamos de atitude, inovando, desagradando e, também, mudamos o sistema de referência, evitando grandes dificuldade, criando horizontes promissores e dando vida nova ao presente. A intuição é um aliado nesse aprendizado e é importante ouvi-la.

Aprendendo a participar implica em sermos ativos nos processos nos quais estamos envolvidos e nos comprometermos com eles. Somos seres de relação; o conhecimento nasce de relação. Nós nos legitimamos e legitimamos o outro quando em relação. Em relação, participando, polimos nossas arestas, nos comprometemos com vetores comuns, exercitamos nossa vocação para o universal e nos conectamos com a vida.

A esses aprenderes foram acrescentados os aprenderes propostos na Árvore do SaberAprender (TROCMÉ, 1996, 2004) que claramente nos remete aos que está entre, através e além das disciplinas, das pessoas e das coisas. As etapas do referencial cognitivo aqui propostas são 10: 1) Saber-Observar (contextualizar); 2) Saber-Reconhecer as Leis do Vivo (respeitar a lógica do vivente); 3) Saber-Organizar (sistematizar, classificar em categorias); 4) Saber-Criar-Sentido (ancorar); 5) Saber-Escolher (decidir, se engajar); 6) Saber-Inovar (imaginar, criar, diversificar); 7) Saber-Trocar (entrar em reciprocidade); Rumo à onto-autonomia - 8) Saber-Compreender; 9) Saber-Integrar; 10) SaberComunicar.

Já divisamos que estes pilares serão acrescidos de mais dois: Aprendendo a morrer, que remete nos às questões de desidentificação e de liberdade, nos diferentes níveis de realidade, e onde nos deparamos com a(s) morte(s) com e sem cadáver e, também , com o Aprendendo a Amar, no sentido de lançarmos um olhar compassivo e misericordioso para nós mesmos, para o outro e para tudo que nos cerca. 

Artigo publicado originalmente em 2001 no site do Centro de Educação Transdisciplinar - CETRANS (http://cetrans.com.br/textos/aprenderes.pdf).

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